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sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Baú da TV: Tudo será teu se me adorares.

A luta entre o bem e o mal sempre pontuou o imaginário da humanidade, independente da cultura que se tome como foco de estudo. A dramaturgia, como um dos espelhos que comumente representam essas culturas, não abriu mão de reproduzir e discutir o tema. Essas reproduções, algumas vezes maniqueístas, outras mais sutis, sempre colocam em conflito duas forças antagônicas que podem ser representadas por pessoas, grupos, nações ou até mesmo embates internos e filosóficos.

Como desdobramento da cultura popular, a teledramaturgia também usou o tema como alicerce de suas origens. Mocinhas e mocinhos apaixonados enfrentando perversos vilões e vilãs, estão presentes desde o início das histórias feitas para a televisão. É com isso que o grande público se identifica.

Entre tantas histórias, talvez a que mais tenha levado ao pé da letra esse conflito, foi Corpo a Corpo (1984/1985), novela escrita por Gilberto Braga. Na trama, o mal era representado pelo seu ícone mais emblemático: O diabo!

Quando Gilberto Braga foi chamado para escrever a próxima atração das 20h, o horário enfrentava dificuldades. Champagne (1983/1984), de Cassiano Gabus Mendes, e Partido Alto (1984), de Aguinaldo Silva e Glória Perez, as novelas anteriores, não haviam caído no gosto do público, e a missão do autor era a de levantar a audiência.

Tendo como base a obra Fausto, do alemão Goethe, Gilberto armou Corpo a Corpo a partir da história de Eloá (Débora Duarte), engenheira de uma grande construtora, mas insatisfeita por sentir a sua vida estagnada. Casada com o também engenheiro Osmar (Antônio Fagundes) e mãe de Ronaldo (Selton Mello), Eloá quer mais do que apenas conseguir pagar as contas no final do mês e ter uma vida classe média. Em determinado ponto, em uma festa, ela conhece um homem misterioso (Flávio Galvão), que lhe propõe um pacto: Sua alma em troca do sucesso na profissão. Levando tudo como uma grande brincadeira, embora estranha, Eloá aceita. É aí que começa o seu calvário. De um dia para o outro, a carreira da engenheira passa a ter uma assenção meteórica dentro da construtora Fraga Dantas. Só que, enquanto se torna uma profissional de sucesso, Eloá vê o seu casamento ruir graças ao ciúme de Osmar, que começa a se sentir em segundo plano. O auge da crise acontece quando Eloá se vê obrigada a demitir o marido. Os dois se separam e ocorre a grande virada da trama de Gilberto Braga.

Toda a trama do diabo é uma armação de Tereza (Glória Menezes). Na juventude, Osmar se apaixonou por Tereza, mas a abandonou para se casar com Eloá. Com ódio por ter sido preterida, Tereza arquiteta um plano para se vingar de Osmar e Eloá, faz alianças com pessoas inescrupulosas, como Rogério (Odilon Wagner), Nádia (Tânia Scher) e Raul (Flávio Galvão), e coloca em prática a sua vingança. Tereza trabalha como enfermeira na casa do patrão de Eloá, Alfredo Fraga Dantas (Hugo Carvana), viúvo que acaba se apaixonando por ela. Todos na família a consideram um verdadeiro anjo, menos a filha mais nova, Bia (Malu Mader), que desconfia de tanta bondade. Quando a trama da vingança é descoberta, Tereza passa a ser repudiada por todos. Rogério e Nádia morrem e Raul acaba preso. Infelizmente, nesse momento, Corpo a Corpo enfrentou uma grande barriga, com cenas e mais cenas de Tereza chorando no quarto. Mas isso logo foi resolvido com a mal sucedida tentativa de Raul, de fugir da penitenciária. Após uma explosão, Raul morre...e começa a aparecer para Tereza. O demônio, agora encarnado em Raul, passa a perseguir a sua “criadora”.

Mas nem só do diabo vivia a trama de Corpo a Corpo. A novela também contava a história de Lúcia Gouveia (Joana Fomm), mulher fina e sem dinheiro, querendo a todo custo arranjar um casamento rico para a filha, Alice (Luíza Tomé).  A jovem, fruto de um antigo romance de Lúcia com o ex-presidiário Amauri (Stênio Garcia), é obrigada pela mãe a tentar conquistar Cláudio (Marcos Paulo), herdeiro de Alfredo. Depois de muitas reviravoltas, Alice rompe com Lúcia e vai viver a sua vida. Nesse momento, a esnobe falida conseque conquistar Alfredo e se casar com ele. Cláudio, livre do assédio de Alice/Lúcia, inicia um romance com Sônia (Zezé Motta), uma paisagista negra, causando conflitos com Alfredo, que não aceita a união, por ser racista. Quase ao final da história, Alfredo sofre um acidente e só sobrevive graças a uma transfusão do sangue de Sônia. O romance jovem da história ficou por conta de Bia e Rafael (Lauro Corona) que também sofria preconceito de Alfredo por causa da diferença social entre os dois.

Ao final da trama, descobre-se que o diabo era na verdade Raul, que não havia morrido na explosão e que agora trabalhava para Amauri. Louco de paixão, Amauri queria matar Alfredo, então casado com Lúcia. Em cena antológica, Amauri e Lúcia morrem queimados no incêndio de uma produtora de vídeo. Eloá e Osmar se reconciliam e Tereza, arrependida e redimida, reencontra o amor ao lado de Alfredo.

Na última cena da novela, Jalusa (Rosane Gofman) dá a entender que na verdade toda a história não foi uma farsa e que o diabo estava sim por trás de tudo, manipulando a todos.

Para os que viram, Corpo a Corpo é inesquecível e faz parte do nosso baú de grandes telenovelas.

Por Walter de Azevedo

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Azar no jogo é não jogar

Em outubro de 1985, a Rede Globo colocou no ar, às 18h, a novela De Quina Pra Lua. A principal tarefa da nova produção era manter os altos índices de audiência que A Gata Comeu, atração anterior do horário, havia conquistado. O enredo, um argumento de Benedito Ruy Barbosa desenvolvido por Alcides Nogueira, em sua estréia como autor titular, contava a história de José João Batista (Milton Moraes), um funcionário exemplar, extremamente honesto e que acaba perdendo seu emprego, sendo substituído por um computador.

Desesperado e sem perspectivas de conseguir outro emprego por causa da idade, José João, pela primeira vez na vida, joga na loteria. O bilhete é premiado, mas numa armadilha do destino, José João morre e acaba sendo enterrado junto com o bilhete, que está em um dos bolsos de seu terno. Quando a família descobre, desenterram o corpo para recuperar o prêmio, mas ladrões de sepultura roubaram o terno. Começa então uma caçada ao bilhete premiado, encabeçado pela viúva de José João, Angelina (Eva Wilma), e pelo professor Dante Cagliostro (Agildo Ribeiro), amigo de José e apaixonado por Angelina. Para dar uma ajuda à viúva, o falecido volta do além, acompanhado pelo atrapalhado anjo Cróvis (José Dumont).

O ponto de partida da novela pressupunha uma grande comédia de erros, mas alguns deslizes de produção, direção, escalação de elenco e uma certa inconsistência no texto, comprometeram o resultado final. Mas De Quina Pra Lua também tinha seus pontos positivos. Mesmo com a já citada escalação equivocada, não há como negar que um dos principais acertos foi Elizabeth Savalla vivendo a manicure Mariazinha. A atriz, conhecida pelas suas mocinhas sofredoras, encarnou com perfeição a suburbana e barraqueira personagem, sempre apaixonada pelo professor Cagliostro. Outro ponto alto foi a presença do atrapalhado anjo, que garantia, junto com José João, boas rizadas.

Do lado romântico, o autor conduziu muito bem a história entre Marquinhos (Marco Antônio Pâmio), o filho do contrabandista Silva (Hugo Carvana), e Maria de Fátima (Isabela Garcia), filha de José João e Angelina.

Quase ao final, o assassinato de Souza (Odilon Wagner), principal rival de Silva, abriu espaço para o “quem matou?” dentro da trama, elevando um pouco mais o interesse do público pela novela. Em determinado ponto da história, Alcides Nogueira passou a contar com a colaboração do experiente Walter Negrão, com quem inclusive havia iniciado sua carreira como colaborador um ano antes, na novela Livre Para Voar

Mesmo diante dos percalços, De Quina Pra Lua costuma ser lembrada com carinho pelo público. Vale citar que a novela foi apresentada no chamado ano de ouro da Rede Globo, 1985, em que também foram exibidas A Gata Comeu, Roque Santeiro e Ti Ti Ti.


Por Walter de Azevedo

sexta-feira, 24 de junho de 2011

Baú da TV: A Luta do "Seu" Cassiano

Uma é chique e vira brega, a outra é brega e vira chique. Esse era o mote central de Brega & Chique, que o mestre Cassiano Gabus Mendes escreveu em 1987, para o horário das 19h da Rede Globo. Centrada nas desventuras de duas mulheres que sofrem reviravoltas em suas vidas por causa de um mesmo homem, a novela foi um dos grandes sucessos das sete da noite.

Herbert Alvaray (Jorge Dória) dá um grande golpe na praça e precisa desaparecer. Casado com a chique Rafaela (Marília Pêra) e pai de Ana Cláudia (Patrícia Pillar), Teddy (Tarcísio Filho) e Tamyres (Cristina Mullins), o malandro simula a própria morte e deixa a família na mais completa miséria, sem ter como sobreviver. Rafaela e os filhos são obrigados a abandonar a luxuosa mansão no Morumbi e passam a viver no bairro do Itaim Bibi. Lá conhecem a brega Rosemere (Glória Menezes), que foi abandonada pelo marido, Mário, pai de sua filha Marcinha (Fabianne Rocha). Acontece que Mário e Herbert são a mesma pessoa. Ao desaparecer, Mário/Herbert deixou para Rosemere uma fortuna em dólares e a suburbana passa a morar em uma mansão. No exterior, Herbert faz uma operação plástica e volta na pele de Cláudio Serra (Raul Cortez), envolvendo-se de novo com as duas mulheres.

Uma das características mais marcantes de Cassiano Gabus Mendes, era a de escrever histórias simples, com poucos personagens, mas totalmente irresistíveis. Em Brega & Chique talvez o grande mérito não tenha sido a trama, mas sim as personagens e o elenco. Alguns núcleos eram bem chatos, mas Rafaela, Montenegro (Marco Nanini) e os broncos Baltazar (Dênis Carvalho) e Bruno (Cássio Gabus Mendes) garantiram cenas hilárias e inesquecíveis. Na briga entre as protagonistas, Glória Menezes acabou perdendo. Marília Pêra, que passara 14 anos sem fazer novelas, voltava com força total e dava um show em cena. Sequências como a em que ela vai fazer feira vestida de casaco de pele, ou quando quase mata Montenegro enforcado porque o aspirador de pó suga a gravata do rapaz e ela não percebe, são memoráveis.

Cassiano Gabus Mendes, que começou na rádio, foi de fundamental importância na criação e desenvolvimento da televisão no Brasil. Sua entrada para a Rede Globo em 1976, com a novela Anjo Mau, foi decisiva para dar as características que as atrações do horário teriam dali pra frente e que continuam até hoje. Brega & Chique tem todas essas características e é uma das novelas de maior sucesso popular do autor, sendo lembrada por muitos até hoje. Seria uma bela opção de reprise para o Canal Viva.

Por Walter de Azevedo

terça-feira, 14 de junho de 2011

Baú da TV: Cheiro de Cravo, cor de Canela

Em 1975, a Rede Globo completava dez anos de existência e resolveu, como parte das comemorações, fazer uma novela com ares de superprodução. O horário das 22h era conhecido por apresentar histórias mais fortes, e a alta direção da emissora resolveu apostar em um dos mais famosos livros de Jorge Amado para adaptar como novela: Gabriela, Cravo e Canela.

Numa produção impecável, Gabriela foi roteirizada por um dos grandes nomes da televisão, Walter George Durst, que há 10 anos não escrevia novelas, e direção do aclamado Walter Avancini. O elenco foi uma história à parte e contou com estrelas como Paulo Gracindo, Armando Bógus, Dina Sfat, Eloísa Mafalda e Sônia Braga, em sua primeira protagonização.

Na telinha, a história da retirante Gabriela (Sônia Braga) que, fugindo da seca, chega a Ilhéus e vai trabalhar como cozinheira do turco Nacib (Armando Bógus), dono do bar Vesúvio. Logo os dois se envolvem, batendo de frente com alguns tabus sociais da época.

Gabriela é uma história que fala de mudanças. Se o romance da protagonista e de Nacib aponta a necessidade de mudanças sociais, a parte política não fica atrás. Há anos como chefe político da região, o Coronel Ramiro Bastos (Paulo Gracindo), apoiado pelos outros coronéis do cacau, Melk Tavares (Gilberto Martinho), Amâncio Leal (Castro Gonzaga), Jesuíno Mendonça (Francisco Dantas) e Coriolano Ribeiro (Rafael de Carvalho), faz da cidade uma extensão dos seus domínios, um verdadeiro feudo. A oposição, liderada pelo Capitão (Sérgio de Oliveira), não oferece nenhuma ameaça concreta, mas isso se transforma com a chegada de Mundinho Falcão (José Wilker), jovem exportador de cacau, que chega a Ilhéus trazendo ares de renovação e modernidade. A partir daí, a trama de Gabriela se transforma num verdadeiro jogo de xadrez entre os dois chefes políticos. Para complicar, Mundinho se apaixona por Jerusa (Nívea Maria), a neta de Ramiro.

A força de Gabriela esta na trama política, já que o romance entre os protagonistas, mesmo
sendo bem agradável e divertido, em nada contribui para a trama. Nesse item, o proibido amor entre Mundinho e Jerusa acaba sendo mais interessante, pois costura a briga entre as duas facções políticas. Outra trama importante é a do Coronel Jesuíno Mendonça, que ao descobrir que sua mulher, Sinhazinha (Maria Fernanda), mantinha um romance com o dentista Osmundo (João Paulo Adour), mata os dois a tiros. Enquanto a novela segue, acontece o processo do crime. Se o Coronel conta com sua posição política, com o apoio do Coronel Ramiro e do advogado Maurício Caires (Paulo Gonçalves) para sua defesa, a oposição, liderada novamente por Mundinho e pelo advogado de acusação, o Dr, Ezequiel (Jayme Barcellos), trabalham para a condenação do acusado. Ao final, Jesuíno é condenado, algo impensável até então, pontuando o início das mudanças em Ilhéus.

Assisti Gabriela em sua exibição no Vale a Pena Ver de Novo, no final dos anos 80. Confesso
que achei a novela um pouco arrastada. Revendo agora, vejo o quanto eu estava errado. O subtexto colocado por Walter George Durst no roteiro, é genial e corajoso. Em algumas passagens o texto chega até mesmo a ser explícito. Em plena ditadura, em uma fala do Coronel Ramiro, o texto diz: “Ele tomou gosto pela liberdade, mas precisa saber que quem lhe dá essa liberdade sou eu.”

No elenco, difícil saber quem esteve melhor. Tantos atores incríveis e saudosos. As nuances da interpretação de Paulo Gracindo, a criação de Sônia Braga, fazendo uma Gabriela inocente e sensual ao mesmo tempo, todos os coronéis. Gabriela é uma verdadeira aula de interpretação.
Aliás, de interpretação, de texto, de direção... Gabriela é uma verdadeira aula de como fazer novela.


Por: Walter de Azevedo

sábado, 28 de maio de 2011

Baú da TV - O Bem Amado

Durante os anos 70, a Rede Globo conseguiu ótimos números de audiência em novelas regionalistas, com forte cunho de crítica política. Dias Gomes foi o pioneiro do gênero com O Bem-Amado (1973), novela inspirada na peça teatral Odorico, o Bem Amado, escrita pelo próprio autor e proibida pela censura. Na verdade, O Bem-Amado foi um marco na história da televisão. Além de ser a primeira novela feita em cores, sua trama tinha características muito brasileiras, um importante passo no desligamento da teledramaturgia nacional dos modelos cubanos e mexicanos. Como se não bastasse, o protagonista não era herói e muito menos anti herói (como o Beto Rockfeller da novela de mesmo nome na TV Tupi). Odorico Paraguaçu (memorável criação de Paulo Gracindo) era um típico “coronel”, disposto a tudo para conseguir vantagens pessoais. Odorico era um vilão. Um vilão engraçado, mas um vilão.

A história de O Bem-Amado se passava na fictícia Sucupira, pequena cidade do litoral baiano. Graças ao trabalho competente do médico Juarez Leão (Jardel Filho), o número de mortes na cidade é nulo. Ninguém morre em Sucupira! Isso é um problema para o prefeito Odorico, cuja principal promessa na época da campanha eleitoral havia sido a inauguração do cemitério. Para resolver o problema, o prefeito contrata o matador Zeca Diabo (Lima Duarte) para que mate alguém, mas nem isso resolve. Numa verdadeira guerra, a oposição, liderada pela delegada Donana Medrado (Zilka Salaberry), o vereador Lulu Gouveia (Lutero Luiz) e o jornalista Neco Pedreira (Carlos Eduardo Dolabella), sempre dá um jeito de impedir os planos do prefeito de finalmente conseguir inaugurar o cemitério. Em determinada passagem, chegam mesmo a roubar um cadáver e enterrá-lo rapidamente na cidade vizinha.

 Recheada de tipos inesquecíveis, como Dorotéa (Ida Gomes), Dulcinéia (Dorinha Duval) e Judicéia (Dirce Migliaccio), as irmãs Cajazeiras, sempre dispostas a apoiar o prefeito em troca dos seus favores sexuais, ou Dirceu Borboleta (Emiliano Queiróz), o tímido e gago secretário de Odorico, O Bem-Amado mostrou que era possível fazer uma crítica social e política na televisão, usando o humor para isso. Em plena ditadura, Dias Gomes usava suas alegorias e metáforas para denunciar a falta de liberdade. Não era por acaso que as figuras mais negativas da novela possuíam patentes militares, o “Coronel” Odorico e o “Capitão” Zeca Diabo. Por conta disso, a censura proibiu o uso dessas palavras, fazendo com que a equipe de produção tivesse de apagar o áudio de vários capítulos em que apareciam as expressões. Mais tarde, Dias voltou a usá-las e nada aconteceu.

No último capítulo de O Bem-Amado, finalmente o cemitério é inaugurado. Zeca Diabo mata Odorico e o prefeito é o primeiro a ser enterrado lá, mas a mensagem mais importante de Dias Gomes veio através da última cena, em que o personagem Zelão (Milton Gonçalves), que sempre teve o sonho de voar, vai até o alto da igreja, se joga...e voa. Essa era a grande metáfora de Dias sobre a liberdade.

“Aqui a nossa história pára, pois tudo que sabemos daqui em diante é de ouvir contar. Não que a gente não acredite, pois se você for a Sucupira, vai ver que lá ninguém duvida...E Zelão voou. Se você duvida, é um homem sem fé” Dias Gomes     

Por Walter de Azevedo                                                                                                

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

A Cara do Brasil no Horário Nobre

Não, eu não vou comentar Vale Tudo. Toda vez que falamos sobre o retrato do Brasil na teledramaturgia, imediatamente nos remetemos à trama escrita por Gilberto Braga, Aguinaldo Silva e Leonor Basséres. Acontece que, dois anos antes, o horário nobre plantou a semente do que foi discutido com tanta propriedade em 1988, com as histórias de Raquel (Regina Duarte), Fátima (Glória Pires) e Odete Roitman (Beatriz Segall). Em 1986, Lauro César Muniz, um dos maiores autores brasileiros, escreveu o sucesso Roda de Fogo.

Em meados dos anos 80, a Rede Globo fundou a Casa de Criação Janete Clair, com o objetivo de produzir sinopses a serem realizadas pela emissora. Infelizmente, essa foi uma iniciativa que não deu muitos resultados. Um dos únicos foi Roda de Fogo, novela que acabaria sendo escrita por Lauro César Muniz com a colaboração de Marcílio Moraes e direção geral de Dênis Carvalho.

Roda de Fogo apresentava um retrato da elite dominante brasileira, denunciando os crimes dos colarinhos brancos e tocando em temas ainda difíceis, como a tortura na época da repressão. Na novela, Renato Villar (Tarcísio Meira), presidente de um forte grupo empresarial, havia remetido dólares ilegalmente para o exterior. Um dos sócios do grupo, Celso Rezende (Paulo José), ao descobrir que estava sendo traído, envia documentos comprometedores ao juiz Marcos Labanca (Paulo Goulart), denunciando Renato e seus cúmplices. Renato manda matar Celso e faz chantagem com o juiz que, acuado, abandona o Brasil. Antes de partir, deixa os documentos nas mãos de sua ex-aluna, a incorruptível juíza Lúcia Brandão (Bruna Lombardi). Renato se envolve com Lúcia, tentando assim colocar as mãos nos documentos. Enquanto essa trama ocorre, o público conhece Pedro (Felipe Camargo), filho bastardo de Renato, que ele tivera com Maura Garcez (Eva Wilma), uma ex-guerrilheira política. Devido a traumas causados pela tortura, Maura foi obrigada a fazer um complicado tratamento psiquiátrico na Itália, abandonando o filho nas mãos da avó, Joana (Yara Cortes).

O relacionamento entre Pedro e Renato é problemático, já que o empresário não permite que Maura volte para o Brasil. Nesse panorama, pode-se perceber que Renato controla todos que estão à sua volta e faz com que tudo siga da forma que quer. Acontece que Renato é diagnosticado como portador de um angioma, uma bolha de sangue no cérebro. Caso a bolha exploda, Renato morre. Para piorar, o protagonista descobre que nenhum tipo de cirurgia pode salvá-lo. Ele tem, no máximo seis meses de vida. A partir daí, surge um novo Renato. Ele resolve aparar todas as pontas de sua vida. Deixa de dar importância aos documentos, abandona a mulher, Carolina (Renata Sorrah), e se entrega a uma verdadeira história de amor com Lúcia. Ainda traz Maura de volta da Itália e passa a tentar conquistar o amor do filho, Pedro. Seus aliados, sem saber o que está acontecendo, reagem, dando um golpe em Renato. Ele então resolve se vingar, arquitetando a morte de todos que o traíram.

Com essa história, Lauro César Muniz apresentou uma das melhores novelas da televisão brasileira. Com trama forte, bem amarrada, sem barrigas e contando com personagens contraditórios e interessantes, Roda de Fogo deu um passo à frente na forma de se fazer telenovelas no Brasil. Não que o folhetim não estivesse presente ou que os romances tivessem sido deixados de lado, eles estavam lá, mas vestidos com roupagem moderna, atualizada, se enquadrando na realidade social do país.

A história profissional de Lauro César Muniz, autor combativo de teatro e responsável por novelas emblemáticas como Escalada (1975) e O Casarão (1976), emprestou à trama da Rede Globo, características de denúncia de uma série de situações políticas e sociais que, talvez nas mãos de outro autor, a história não conseguisse desenvolver. A inclusão de uma ex-guerrilheira política, enquanto ainda vivíamos em anos de ditadura, foi de uma coragem ímpar, principalmente quando ela se reencontra com seu torturador, Jacinto (Cláudio Curi), atual mordomo e amante de Mário Liberato (Cecil Thiré), o antagonista de Renato. Mário, sabendo da antiga “profissão” de Jacinto, usa o mordomo para aterrorizar Maura e assim
atingir Renato. Aliás, Mário Liberato é um dos grandes vilões da história da teledramaturgia. Cecil Thiré, Eva Wilma, Renata Sorrah e Tarcísio Meira brilharam na novela, defendendo personagens que estão entre os mais importantes de suas carreiras. Um verdadeiro duelo de titãs.

Sem dúvida alguma, coloco Roda de Fogo no meu pedestal das telenovelas. Pode não ser a minha preferida emocionalmente, mas sem dúvida a considero a melhor que já vi. Uma novela em que tudo deu certo, e como disse no início, semente para que tais temas fossem discutidos mais amplamente em 1988, em Vale Tudo. Lembranças de uma época em que a televisão tinha boas histórias para contar.

Por Walter de Azevedo

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