Durante os anos 70, a Rede Globo conseguiu ótimos números de audiência em novelas regionalistas, com forte cunho de crítica política. Dias Gomes foi o pioneiro do gênero com O Bem-Amado (1973), novela inspirada na peça teatral Odorico, o Bem Amado, escrita pelo próprio autor e proibida pela censura. Na verdade, O Bem-Amado foi um marco na história da televisão. Além de ser a primeira novela feita em cores, sua trama tinha características muito brasileiras, um importante passo no desligamento da teledramaturgia nacional dos modelos cubanos e mexicanos. Como se não bastasse, o protagonista não era herói e muito menos anti herói (como o Beto Rockfeller da novela de mesmo nome na TV Tupi). Odorico Paraguaçu (memorável criação de Paulo Gracindo) era um típico “coronel”, disposto a tudo para conseguir vantagens pessoais. Odorico era um vilão. Um vilão engraçado, mas um vilão.
A história de O Bem-Amado se passava na fictícia Sucupira, pequena cidade do litoral baiano. Graças ao trabalho competente do médico Juarez Leão (Jardel Filho), o número de mortes na cidade é nulo. Ninguém morre em Sucupira! Isso é um problema para o prefeito Odorico, cuja principal promessa na época da campanha eleitoral havia sido a inauguração do cemitério. Para resolver o problema, o prefeito contrata o matador Zeca Diabo (Lima Duarte) para que mate alguém, mas nem isso resolve. Numa verdadeira guerra, a oposição, liderada pela delegada Donana Medrado (Zilka Salaberry), o vereador Lulu Gouveia (Lutero Luiz) e o jornalista Neco Pedreira (Carlos Eduardo Dolabella), sempre dá um jeito de impedir os planos do prefeito de finalmente conseguir inaugurar o cemitério. Em determinada passagem, chegam mesmo a roubar um cadáver e enterrá-lo rapidamente na cidade vizinha.
Recheada de tipos inesquecíveis, como Dorotéa (Ida Gomes), Dulcinéia (Dorinha Duval) e Judicéia (Dirce Migliaccio), as irmãs Cajazeiras, sempre dispostas a apoiar o prefeito em troca dos seus favores sexuais, ou Dirceu Borboleta (Emiliano Queiróz), o tímido e gago secretário de Odorico, O Bem-Amado mostrou que era possível fazer uma crítica social e política na televisão, usando o humor para isso. Em plena ditadura, Dias Gomes usava suas alegorias e metáforas para denunciar a falta de liberdade. Não era por acaso que as figuras mais negativas da novela possuíam patentes militares, o “Coronel” Odorico e o “Capitão” Zeca Diabo. Por conta disso, a censura proibiu o uso dessas palavras, fazendo com que a equipe de produção tivesse de apagar o áudio de vários capítulos em que apareciam as expressões. Mais tarde, Dias voltou a usá-las e nada aconteceu.
No último capítulo de O Bem-Amado, finalmente o cemitério é inaugurado. Zeca Diabo mata Odorico e o prefeito é o primeiro a ser enterrado lá, mas a mensagem mais importante de Dias Gomes veio através da última cena, em que o personagem Zelão (Milton Gonçalves), que sempre teve o sonho de voar, vai até o alto da igreja, se joga...e voa. Essa era a grande metáfora de Dias sobre a liberdade.
“Aqui a nossa história pára, pois tudo que sabemos daqui em diante é de ouvir contar. Não que a gente não acredite, pois se você for a Sucupira, vai ver que lá ninguém duvida...E Zelão voou. Se você duvida, é um homem sem fé” Dias Gomes
Por Walter de Azevedo
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