Em primeiro lugar é preciso dizer que não cabe comparação. Antes que os eternos viúvos de Avenida Brasil apareçam para comparar o capítulo da virada de Salve Jorge com o mesmo de sua antecessora, é preciso lembrar alguns fatores preponderantes: cada autor tem seu estilo próprio e ele precisa ser respeitada, diretores enxergam a mesma cena e o mesmo formato de formas diferentes e, portanto, produzem por caminhos diferentes e cada ator e atriz capta o texto de sua própria forma, única e exclusiva. Ser diferente não é ser maior ou menor, quando se é competente e o trabalho bem feito dentro de seu estilo, isso basta. Ser melhor ou pior, varia de acordo com o gosto e de outros elementos.
Posto isso, é preciso reconhecer um capítulo bastante interessante que foi ao ar nesta segunda-feira, 21. A autora Glória Perez tinha uma difícil missão: agradar a todos. Alguns elementos externos deixaram a expectativa alta para este capítulo. Em primeiro lugar, o fato de que a morte da personagem Jéssica (Carolina Dieckmann) vem sendo noticiado pela mídia desde antes da estreia, portanto, deixou o público ansioso. E o fato de que, como a personagem seria assassinada pela máfia, a forma como a cena iria ao ar, deixou todos curiosos.
Como eu disse no parágrafo anterior, não cabe aqui qualquer espécie de comparativo, mas ficou muito nítida a estilística diferente de cada autor. No capítulo mais importante do folhetim até o momento, uma sequência forte de assassinato, a autora trilhou um caminho completamente oposto ao que se viu, por exemplo, em sua antecessora. O capítulo todo foi bastante leve tendo destaque para todos os núcleos solares e com grande pitada de humor. Este foi um escape para não deixar a tensão pairar por todo o capítulo, crescendo demais a expectativa em torno da fatídica morte.
Assim como João Emanuel Carneiro mostrou-se mestre em produzir cenas de suspense e terror psicológico, com capítulos insanos, agora, Glória Perez apresentou uma forma menos revolucionária, mas também bastante competente. Ao aliviar a tensão com cenas dos núcleos coadjuvantes, sempre com bom humor, a autora manteve o telespectador leve para o momento em que a tensão foi toda jogada sobre ele, numa rotação de 180 graus e que provocou um estalo interessante. Um equilíbrio calculado e que deu grande resultado, com um capítulo impecável de ponta a ponta.
Além disso, o capítulo todo foi construído em torno da morte de Jéssica. As cenas da vítima, ao lado da protagonista Morena (Nanda Costa) foram muito bem espalhadas ao longo do capítulo, sem que ficasse enjoativo ou apressado demais. Tudo na dose correta. Graças a isso, o ápice da sequência pôde ser tão bem aproveitado.
A sequência em si foi surpreendente. Já sabia-se de algum tempo que Jéssica seria assassinada por Lívia com uma injeção letal. O método é que não se sabia e exatamente como elas ficariam frente a frente era a pergunta. Não poderia haver escolha melhor. Dentro do contexto realístico da trama, tudo fez sentido e foi muito bem amarrado. O caminho poderia ser outro e até mais lento, mas a autora acertou ao preparar o terreno e, na hora do crime, optar por um encontro casual no banheiro.
Aliás, a cena do assassinato teve uma direção inspirada. Ao invés de apostar em uma sequência insana com a câmera aberta, diálogos cortantes e ágeis e trilha sonora intensa. O diretor optou pelo caminho oposto. Com inúmeros takes e projeções em elementos menores, diálogo lento e uma trilha intimista, a cena caminhou de forma poética, implícita, desenhada. O som do pingo da torneira caindo ao fundo do diálogo, o take no sorriso de Lívia, e nos olhos de Jéssica, a câmera lenta na maior parte da cena e o corte seco para o momento do crime criou uma crescente expectativa e mostraram-se um grande acerto.
Além disso, é preciso parabenizar Cláudia Raia e Carolina Dieckmann. É possível criticar a atriz por sua vilã, principalmente por conta das poucas vilanias práticas que ela faz - mas isso vem mudando de algum tempo. Mas nesta cena em especial tornou-se impossível encontrar qualquer problema. A leveza da personagem, o sorriso intimidador, o medo no olhar, a atitude rápida e o riso maléfico de uma vencedora foram grandes momentos da atriz nesta novela. Carolina Dieckmann, vivendo seu melhor trabalho em anos, também não deixou por menos. O tom de voz e as expressões corporais da atriz deram o tom da cena e funcionaram quase como marcações para a direção. Um show da atriz que finalizou com chave de ouro um trabalho grandioso.
Ninguém é obrigado a gostar de Salve Jorge. Gosto pessoal não se discute, embora tecnicamente a novela venha numa crescente e, atrativa por diversos elementos, se tornou, disparada, a melhor novela da TV atualmente. Porém, é impossível colocar em discussão a qualidade do capítulo mais esperado. Toda sua construção foi planejada e executada com maestria. Roteiro, direção e elenco caminharam de mãos dadas e o resultado não poderia ser melhor: um presente e tanto para o público.