quinta-feira, 23 de maio de 2013

Sangue Bom é complexa demais para a TV aberta

Com 21 capítulos exibidos até a noite da última quarta-feira, 22, a novela das 19 Horas, Sangue Bom - assinada por Maria Adelaide Amaral e Vincent Villari, com direção de núcleo de Dênis Carvalho - não está sequer perto de cumprir seu objetivo mais simplório: recuperar a audiência do horário, que foi perdida por sua antecessora. Os números da novela, aliás, acompanham uma queda que preocupa, mesmo ainda estando em sua fase inicial. Porém, é preciso saber analisar tanto os números quanto a trama. O que parece claro é que o folhetim é muito complexo para ser exibida na TV aberta.

Uma análise assim é delicada e cheia de riscos para quem a faz, porém, parece o caminho certeiro ao se refletir tanto sobre a qualidade do produto que vai ao ar diariamente quanto aos números que não refletem aquilo que se vê na TV. Parece evidente que estamos diante de uma preciosidade em que roteiro, direção e elenco fluem livremente e formam um produto de qualidade rara, ainda assim, o telespectador parece não ter comprado a história e se interessado suficientemente para assisti-la todos os dias.

O grande entrave de Sangue Bom para a audiência é seu fio condutor. Segundo Vincent Villari, em ótima entrevista ao blog O Cabide Fala, o fio condutor da novela é "a história de Bento e Amora, dois jovens que se amam desde crianças, se separam e, quando se reencontram e percebem que pertencem a universos muito diferentes um passa a lutar para trazer o outro para o seu mundo". Com todo respeito ao autor que, óbvio conhece mais sua própria história que qualquer outro, o blog discorda. O fio condutor da novela me parece muito mais complexo que isso, remete muito mais ao poema Quadrilha, de Carlos Drummondd de Andrade: "João amava Tereza que amava Raimundo que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili que não amava ninguém". E também parece ir além disso.

A complexidade de sentimentos e conflitos do sexteto de protagonistas - Bento (Marcos Pigossi), Amora (Sophie Charlotte), Maurício (Jayme Matarazzo), Giane (Isabelle Drummond), Malu (Fernanda Vasconcellos) e Fabinho (Humberto Carrão) - promove uma gama de análises e reflexões que o telespectador mais desatento não consegue perceber. Amor gosta de Bento ou de Maurício? Bento gosta de Amora ou da lembrança do passado? Bento se relaciona melhor com Malu ou com Giane? Giane é amiga ou gosta de Bento? Maurício ama realmente Amora ou é capricho? Malu e Maurício poderiam se apaixonar? Fabinho é tão mau quanto tenta ser? Giane usa o tom masculino como uma forma escudo? Estas são as questões mais óbvias e que, ainda assim, muitos não enxergam. Há muitas outras, ainda mais complexas, como a discussão entre fama e caráter, vingança e gratidão, o ter e o ser. Enfim, são muitas as perguntas que a trama propõe e o público não consegue lidar com a falta de respostas imediatas com que está acostumado no horário.

Uma novela das 19 horas ao pisar no drama normalmente não arrisca e não foge dos clichês. Os últimos grandes sucessos do horário mostram isso. Cheias de Charme tinha dramas simples de suas três protagonistas. Penha sofria com o marido folgado, Rosário sofria porque o namorado não aceitava sua fama e Cida sofria porque buscava o príncipe encantado. Tudo era muito claro na mente do telespectador. Assim também foi em Morde e Assopra, o grande marco da sofrível novela foi a amargura de Dulce, rejeitada pelo filho que se envergonhava de ser pobre. Tititi, remake assinado também por Maria Adelaide Amaral, o drama também era água com açúcar: Marcela, abandonada pelo namorado, tinha que criar uma criança sozinha e se apaixonava por um outro rapaz.

Sangue Bom pisa fundo na complexidade de seu drama e paga o preço. Ao inovar e propor muito mais que simples entretenimento, tentar levar ao público uma história que exige raciocínio, reflexão e construção de ideias, a novela afugenta o telespectador mediano - aquele que procura respostas e soluções rápidas, que quer entretenimento fácil e não enxerga novela como arte ou cultura. Rejeição semelhante sofreu Lado a Lado, uma novela que tentou acabar com o tom folhetinesco e transmitir cultura-histórica e foi totalmente rejeitada.

Se no drama a novela das 19 Horas afugenta o telespectador o mesmo acontece na comédia. Novamente a dupla de autores e sua equipe de roteiristas optou pelo caminho árduo e mais difícil. Fugindo do humor pastelão que normalmente faz sucesso no horário (vide Caras e Bocas) ou mesmo a comédia popular e infantil como a de Cheias de Charme, a proposta foi de apresentar muito do humor cult com metalinguagem, referências pops e frases de efeito. Piadas como "você quebrou uma garrafa na cabeça do Dênis Carvalho" "Claro, ele me convidou para interpretar uma atriz decadente numa novelinha das 7 de dois autores medíocres" são geniais, mas somente funcionam para uma parte pequena da audiência que sabem que Dênis Carvalho é o diretor de núcleo da novela e que a trama é escrita por Maria Adelaide Amaral e Vincent Villari. A maioria do público ficou sem entender e, por isso, certamente estranhou. Esse é apenas um exemplo de uma gama gritante de piadas complexas demais para atingir o grande público e que, por isso, tornam-se elitizadas demais. Mesmo mal sofreu Tempos Modernos que foi rejeitada pelo simples fato de que suas piadas eram incompreensíveis. Em Tititi, Maria Adelaide Amaral já brincava com a metalinguagem, mas tinha seu escape no humor pastelão com os ataques de Jaqueline ou as brigas dos protagonistas.

Sangue Bom está longe de ser ruim, ao contrário, é uma novela ousada e de qualidade ímpar. Ao propôr uma reflexão mais ampla sobre seus protagonistas, o roteiro tenta instigar a audiência a pensar. E arte nada mais é que isso, a tentativa de levar a sociedade a pensar. Novela é entretenimento, mas pode ser tratado como arte, principalmente quando as pessoas envolvidas estão dispostas a pagar o preço para transmitir um pouco de qualidade para a população. O preço neste caso é comprometer os números de audiência em razão de um produto melhor acabado, melhor construído, mais denso. Quanto mais produtos assim forem ao ar, menos o público vai rejeitar, pois ele vai se acostumar a também pensar diante da TV. Não dói.

11 Quebraram tudo:

Fabio Dias disse...

Realmente o povo tem preguiça de pensar, eu mesmo se ficar na net e ver a novela ao mesmo tempo, acabo perdendo cenas e ficando sem entender.
As novelas que vc citou no texto poderíamos perder capítulos que o drama era o mesmo, sem complexidade nenhuma a história acabava prendendo, não à toa que foram um sucesso.

Concordo que Sangue Bom é bem complexa, os personagens são cheios de nuances e exigem uma maior atenção do telespectador.

Obrigado pela citação do Cabide!
Abraço amigo

Leddy Silva disse...

Sangue Bom e uma excelente trama mas infelizmente o povo nao gosta de tramas complexas e que estimulem seu ser e suas atitudes,raciocinio,etc...uma pena porquer a novela é excepcional e tenho certeza absoluta que os indices irão melhorar com o decorrer dos capitulos.

guelito disse...

acho que deve haver umeuilibrio entre as duas coisas pra ficar legal( o água com açucar ea inovação).Mas novela é aquela coisa que continua todos os dias comganchos queotivem a pessoa á seguir assistindo. senão iver isso parece um seriado.O povo tem de comprar a história com tipos que lembrem situações da vida real: gente lutando pra vencer,se ferando,tentando de outra forma,vencendo de novo...tem que contar algo novotodos os dias

P H Amorim disse...

Concordo plenamente. Me instiga esse sexteto, de não saber o que um espera do outro. A relação das irmãs Amora e Malu, onde não há mocinha e vilã, mas somente rivais. Por exemplo, é de se pensar porque Malu parece mais interessada em Bento que em Maurício depois que percebeu a paixão de Amora por este. Será que no fundo ela realmente não deseja o que é da irmã, ainda que inconscientemente? Será que Giane ama Bento realmente ou tem somente medo de perder o grande companheiro se este se envolver seriamente com outra mulher, e acaba confundindo os sentimentos? Será que Maurício ama Amora, ou ela é só mais um brinquedinho de playboy dele (e isto explicaria ele ter sentido mais a suposta "traição" da Malu, a quem amaria de verdade, e não ter fechado os olhos para a verdade quando se trata de Amora, uma vez que cobramos mais de quem amamos)? Quem é Amora, a it girl ou a garota doce que encanta Bento? E o Wilson, com sua personalidade extremamente complexa? Por que Perácio suporta aquela mulher insuportável e seus dois filhos imprestáveis? Por que Glória culpa Wilson pela morte da filha, por que ela entregou o neto à adoção? São muitas questões, numa trama que se veste de uma embalagem leve, colorida e divertida. Acho que por isso me apaixonei pela trama.

Opinião Na Mente disse...

Nossa, o texto disse exatamente o que eu penso. A novela tem características típicas do horário, mas essa profundeza que os autores usam pra explicar a história, mas com que o público fuja porque não acha tanto dinamismo. Perfeito raciocínio.

Luciana disse...

Ou seja, novela é feita pra gente burra. :P

Brincadeira. Mas eu ainda não consegui acompanhar essa novela pra tecer qualquer comentário. Tanto essa quanto Flor Do Caribe não me cativaram no primeiro capitulo (Flor muito por culpa do Henri Castelli que é lindo, um querido, mas falta talento pra atuar).

Sérgio Santos disse...

Discordo (pra variar). Acho Sangue Bom uma novela das sete bem tradicional, porém, o humor dela não é popularesco. Coincidentemente tem o mesmo tipo de humor de Guerra dos Sexos, só que com muito mais metalinguagem e críticas sociais, o que é apropriado para a temática da trama. Mas não é um humor pro "povão".

Só que esse humor já tinha sido utilizado pelos autores em Ti ti ti e a novela foi um sucesso, portanto não é justificativa. Talvez até seja levando em conta o atual período em que a tal classe C passou a impor regras, digamos assim. Talvez o remake de Ti ti ti não fizesse sucesso se fosse exibido agora.

E esse seu texto acabou contradizendo quase tudo o que vc dizia sobre Lado a Lado. Na época vc enfatizou que os autores não poderiam fugir tão drasticamente do estilo de uma novela, impondo suas vontades e ignorando o gosto do público. Agora vc já diz que os autores devem fugir do óbvio porque "pensar não dói e aos poucos a rejeição vai diminuindo".

Na verdade, na minha humilde opinião, a novela está devagar demais. Parece que os personagens ainda estão sendo apresentados, uma espécie de prólogo bem longo. Falta uma trama para guiar a história, falta apertar o botão de 'ligar', falta engatar a segunda marcha.

Acredito que como vc gosta muito da novela acabou tendo essa visão. Mas eu também gosto, aliás tudo nela é perfeito. Só tá faltando começar de fato. Mas é só minha concepção. PS: Tempos Modernos foi uma péssima novela e mereceu o fiasco no ibope.



@tvxtv disse...

Sérgio...

Eu discordo de você completamente e em diversos ângulos. Não acho que Sangue Bom pareça estar num grande prólogo e que não aconteça nada, ao contrário, para mim acontecem muitas coisas, mas num formato diferente do tom folhetinesco e farsesco que nossas telenovelas nos acostumaram. Neste ponto, Sangue Bom lembra bastante A Vida da Gente. É uma novela não para se esperar "booooms", mas para se refletir, sentar diante da TV e se ver espelhado nos conflitos das personagens, enxergar a si próprio e pensar sobre nossos traumas, nossas condições, nossas formas de ver o mundo. E daí o ponto genial.

Sobre "contradizer" o que eu dizia sobre Lado a Lado, eu concordo, mas até a página 02. Primeiro porque Lado a Lado, de fato, inovou em muitos pontos, principalmente na tentativa de lançar mão do histórico-cultural para se inserir na dramaturgia, mas não funcionou e não teve liga e isso independente de audiência, não funcionou porque foi recheada de marasmos e equívocos. Mas concordo com você que eu fui mais duro que deveria ter sido com a novela, porém, há uma explicação simples: eu não compreendia o que compreendo agora. Não tinha esse olhar mais aprofundado, enxergava mais o momento e menos a contribuição geral. Hoje, percebo que a trama foi importante pela tentativa de inovar e toda tentativa deve ser apalaudida :D

Thamy disse...

texto maravilhoso! concordo, sangue bom é uma novela complexa e maravilhosa! acho que as pessoas se acostumaram com o humor pastelão que hoje em dia a mídia se alimenta e quer tudo mastigadinho, na mão.
As tramas são muito boas, mas tem uma coisa que concordo, tá faltando uma pimenta, um boom na história. Mas não tenho dúvidas que com o andamento do tempo ela vai cativar o resto do público cabeça dura.

wss disse...

Verdade sangue bom está com uma trama bem jovem e crítica abordando temas muito polêmicos e forte como traição, mais a novela tenta fugir um pouco desse estilo novela das nove exibindo cenas ilárias

valéria disse...

Têm razao! o povo têm preguiça de pensar! querem mocinhos e viloes bem caricatos, sem nuances, faceis de identificar e com um luminoso sobre a cabeça: "torçam por mim" ou "me odeiem".so discordo com os que você disse sobre a complexidade dos personagens, a Amora, o Natan, a Giane e o Mauricio sao complexos mas O Bento e a Malu sao dois mocinhos tao chatos e e que julgam mais rapido que a sombra que eu ja os detesto, e o Fabinhoé um vilao que nao da medo nenhum burro e basico demais, o personagem mais mal elaborado da novela.

Postar um comentário

Twitter Facebook Adicionar aos Favoritos Mais

 
Tecnologia do Blogger | por João Pedro Ferreira