sexta-feira, 24 de maio de 2013

Amor à Vida levanta importante debate: o auto preconceito

Discutir a homossexualidade na TV já virou muito mais clichê que propriamente tabu. Foi-se o tempo em que o telespectador, arraigado em crenças completamente arcaicas e conservadoras, se incomodava com a presença de homossexuais nas telenovelas. Difícil imaginar que nos dias atuais possa haver rejeição de personagens assim a ponto deles precisarem ser eliminados da história, como aconteceu em Torre de Babel - exibida nos anos 90, nem tão distante assim, mas em uma eternidade, se considerarmos a mudança de gerações e da sociedade como um todo.

Muitas tramas brasileiras já conseguiram discutir o tema e propôr tratamento de igualdade quando se fala em orientação sexual. Em América, Glória Perez enriqueceu a discussão mostrando os meandros e sofrimento de um homossexual e se viu envolvida numa polêmica ao escrever o primeiro beijo gay da TV, mas que não foi ao ar por censura da emissora. O fato do personagem levantar bandeiras importantes - mesmo tendo sido mostrado de uma forma caricata - acabou em segundo plano e as reflexões acabaram por se focar na tal censura.

Homossexuais não são rejeitados nos folhetins e não é de hoje. No remake de Tititi, Maria Adelaide Amaral conseguiu o que parecia improvável até então. Fez com que o público torcesse pela felicidade de um casal gay e, após a morte de um deles, levou todo o público a se concentrar esperando que o sobrevivente encontrasse seu grande amor. Embora a trama tenha se equivocado em sequências importantes - como na declaração de amor, que termina com um discreto abraço - mostrar que um personagem homossexual pode ser querido pelo público foi importante e acalentou o debate.

Poderíamos citar Amor e Revolução, novela do SBT que levou ao ar o tal primeiro beijo gay da TV - há controvérsias quanto a isso, a série Força-Tarefa também exibiu um beijo lésbico, embora discreto - mas foi apenas para chocar, sem nenhuma proposta mais densa ou qualquer discussão interessante sobre o tema. Muito mais oportunismo do autor que propriamente senso de reflexão.

Já vimos em nossas telenovelas gays de todas as espécies, dos mais caricatos - como em Morde e Assopra - até os mais discretos e quase assexuados - como em Paraíso Tropical. O tema já foi discutido por diversos ângulos, bullying, rejeição familiar, homofobia, praticamente todos os lados da moeda já foram mostrados e é importante que se discuta, pois é um tema recorrente da sociedade.

Antes de Amor à Vida estrear muito se temeu pelo seu vilão Félix. Quando o autor Walcyr Carrasco criou a personagem, grande antagonista do folhetim, como gay, houve quem levantasse questões pertinentes. Um homossexual cometendo atrocidades como roubar e abandonar um bebê no lixo poderia aumentar o preconceito da sociedade? O que se vê, contudo, 04 capítulos após a estreia, é que o personagem caiu no gosto popular de um jeito que impressiona.

Além de ter um texto delicioso, Felix (vivido magistralmente por Mateus Solano) é muito mais complexo em todos os seus preâmbulos. Deixando de lado sua vilania e olhando exclusivamente para sua orientação sexual, a novela propõe uma discussão inovadora, interessante e, mais, de suma importância para a atual sociedade, criando um arquétipo que deveria ser estudado.

Num país em estado de guerra fria entre grupos que apoiam e grupos que repudiam a união civil entre gays, uma novela das 21 Horas levar ao ar um homossexual que não se aceita é muito interessante. Felix não é simplesmente gay, ele é um gay enrustido. Não por pura opção, mas por medo. O texto da sequência exibida nesta quinta-feira, 23, em que a personagem se abre para a esposa, transmitiu uma verdade tão intensa que surpreendeu.

É importante discutir a homofobia, é de suma importância debater direitos de minorias, mas também é válido que uma novela aponte um gay assim, como muitos são, sem a coragem de aceitar sua própria condição e optando por viver da forma como a sociedade lhe ordena. Felix foi uma metáfora brilhante de uma sociedade hipócrita e que precisa rever seus conceitos antes de discutir qualquer outro tema. Quando o vilão se assume para a espoa e implora pelo perdão, dizendo que já sufocou o sentimento antes e poderia sufocar novamente, temos a descrição clara e conceitual da sensação de muitos homossexuais não-assumidos. O sofrimento do vilão, o misto de sentimentos e sensações parecia um estudo antropológico representado de forma artística e digna de aplausos.

Importante debate e que deveria ser visto de forma mais aprofundada pela mídia e também pelos telespectadores. Interessante notar que uma discussão tão densa quanto essa acabou surgindo pelas mãos do autor mais caricato da Rede Globo. Walcyr Carrasco acertou em cheio ao propôr um diálogo sobre homossexualidade, não do ponto do preconceito social, mas do auto preconceito. Se bem conduzida, esta história pode render ótimas cenas. A primeira delas, nesta quinta, foi sensacional.

3 Quebraram tudo:

FABIO DIAS disse...

Tenho um amigo inrustido que se emocionou e se identificou com a cena. Me ligou na hora emocionado. Mais um ponto para o Walcyr.

Você Daniel sempre surpreendendo em suas análises.

Parabéns
Fábio Dias

Rodrigo Rocha disse...

Concordo que a discussão do auto preconceito seja válida, entretanto desconfio como isso será conduzido... levando em conta que é algo escrito pelo CARRASCO. Tá pra nascer autor de didatismo tão enfadonho e impertinente como esse.
No mais, não consigo enxergar essa maestria toda na interpretação de Mateus Solano. Ele está bem no papel? Está. Suas falas soam convincentes? A maioria... Mas as caras de demente e a necessidade de sempre se chacoalhar enquanto fala demonstram uma composição errada de alguém que quer ser sóbrio para disfarçar o seu eu.

Luciana disse...

Eu achei a cena fantastica. "Eu sai do armário rapidinho, mas eu entro la de novo, por favor, não conta pra ninguém..."

Como tenho amigos enrustidos, foi tudo muito real.

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