quarta-feira, 12 de setembro de 2012

A dura arte de compor personagens

A vida de ator de televisão não é fácil. A arte de interpretar carrega em si uma série de desdobramentos que a maioria dos telespectadores sequer imagina. A literatura sobre o tema, quase sempre não compreensível para leigos, e que apresenta técnicas de interpretação sempre, ou quase, foca-se exclusivamente no trabalho de composição das personagens específicas. 

Porém, para a profissão este trabalho é muito mais árduo e vai bem além do que simplesmente planejar toda a técnica de criação para dar vida a um personagem de novela. Mais do que apenas pensar nas características e, baseado na criação do autor, dar vida e trejeitos próprios ao personagem, o ator precisa levar em conta outro fato importante: seu último trabalho. Por mais que o casting da profissão seja alto, é fato que estão em evidência quase sempre o mesmo grupo de atores e atrizes.

A dificuldade que o público tem em se desvencilhar do trabalho anterior do ator para aceitá-lo emprestando seu corpo e voz para "outra pessoa" é grande e demanda um trabalho árduo. Por isso, alguns profissionais optam por descansar a imagem por longo tempo, caso da atriz Cláudia Abreu dona de personagens inesquecíveis, mas sempre com espaço de tempo que garantam a ela voltar com a imagem recuperada. Uma boa opção.

Porém, há profissionais que estão diante da telinha praticamente todos os anos e a dificuldade para não enxergá-los como seus antigos personagens é imensa. Marcelo Serrado é o exemplo mais atual. Seu atual trabalho em Gabriela é correto, porém, por também carregar a veia do humor e com pouquíssimo tempo de diferença, tornou-se impossível não assistir seu trabalho enxergando nele muitas características de Clô, personagem do mesmo ator em Fina Estampa.

Mas, mesmo  no campo da interpretação em que a técnica sobrepuja a inventividade, há de se levar em conta o talento humano. Há profissionais que se afastam de seus antigos trabalhos e, com pouco tempo para pesquisa, transformam-se em outras pessoas. No momento temos três casos que simbolizam este desenho. Adriana Esteves interpretou de forma brilhante a cantora Dalva de Oliveira na microssérie Dalva e Herivelto - recebeu, inclusive, uma indicação ao Emmy Internacional - pouco tempo depois estava ela numa personagem diferente - e apagada - protagonizando a novela das 19 Horas Morde e Assopra. Ninguém lembrou-se de Dalva. Surpresa maior foi quando, num espaço curto de tempo, a atriz aparece como vilã em Avenida Brasil. Carminha tem características próprias, um jeito diferente de andar, de falar, de respirar. Tudo composição de Adriana Esteves que a afastou tanto de suas duas últimas personagens que parece impensável serem a mesma pessoa.

Caso semelhante pôde-se notar em Lado a Lado. Apesar de já se passarem 04 anos desde A Favorita, a vilã Flora tornou-se icônica para o telespectador brasileiro. E, mesmo descansando a imagem por um tempo, Patrícia Pilar ousou como poucas vezes se viu ao retornar à TV repetindo uma vilã. Os riscos eram grandes, pois parece evidente que o público e a crítica iriam comparar Constância a Flora, como vem ocorrendo. Mas não é que, para grata surpresa de todos, a atriz mostrou seu talento e compôs sua atual vilã de uma forma quase paradoxal a inesquecível parceira musical de Donatela? Constância não lembra em nada Flora e é como se fossem interpretadas por pessoas diferentes.

Caso semelhante e sem os meandros que uma vilania permite é o de Marjorie Estiano. A atriz estava no ainda outro dia como a Manuela, co-protagonista de A Vida da Gente e, meses depois, retorna no mesmo horário novamente como co-protagonista de Lado a Lado. Laura, assim como Manu, vive a tirania da mãe, refém por ter de fazer as vontades da família em detrimento daquilo que gostaria para si. Personagens muito semelhantes e que apresentam riscos, pois o caminho mais simples era o de manter composição semelhante. Marjorie decidiu ousar, fugiu do lugar-comum e deu a Laura trejeitos diversos do que se via em Manu. A expressão facial, o tom de voz, tudo é muito diferente.

Compôr personagens já é difícil pela própria natureza do ramo profissional, mas diante da repetição de elenco torna-se ainda mais complexo. Somente profissionais gabaritados conseguem manter-se no ar por longo tempo, com personagens diferentes, e não transferir para o telespectador as mesmas emoções em todos os trabalhos. Ainda bem que estamos bem servidos de bons profissionais.

5 Quebraram tudo:

Peter New's disse...

Reparei isso também em Patrícia e Marjorie ^^.

guilherme disse...

Olá.. sou grande fã do blog e gostaria de saber se é possivel colocar um link do facebook aqui para comentar por rede social.. grato :)

@aletv2 disse...

Você é ótimo mesmo nesse ofício de escrever e criticar sobre TV. Parabéns fera. Texto agradável, bem articulado, fundamentado, exemplificado e gramaticalmente perfeito. Abraço. Ale

Sérgio Santos disse...

Que belo texto, Daniel!

Mary disse...

Só uma observação: Marjorie Estiano poderia até ser co-protagonista em "A Vida da Gente", mesmo sendo a terceira ponto do triângulo, já que Ana era A protagonista. Mas em Lado a Lado ela é tão protagonista quanto a Camila Pitanga. Assim ela foi apresentada pelos autores, pelo diretor e por todos os artigos da imprensa. Lado a Lado é a história de duas mulheres à frente de seu tempo e de dois casais, de mundos diferentes, que lutam pelo amor e pela liberdade.

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